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Projeto Cerrado Sustentável: agroecologia como ponte para a melhoria na qualidade de vida de comunidades agroextrativistas

Foto do escritor: VBIOVBIO

Segundo maior bioma brasileiro em extensão e a mais rica savana do mundo em biodiversidade, no Cerrado vivem cerca de 5% de todas as espécies do planeta e 30% das espécies do Brasil. Sua flora riquíssima serve como base para a alimentação humana (como a farinha do baru) e fonte de fitoquímicos (como a rutina da faveira), sendo manejada ancestralmente por populações tradicionais que se tornaram guardiões do seu legado ecológico. 


O Cerrado é o pilar da agricultura brasileira, sendo extremamente importante para a economia e segurança alimentar, e perfazendo mais de 40% da produção de alimentos do país. Porém, nos últimos 25 anos, o bioma vem sendo ameaçado devido à expansão das atividades antrópicas e ao baixo percentual de áreas protegidas, o que o torna uma das savanas mais ameaçadas do mundo, e um hotspot global da biodiversidade.


De acordo com o INPE, mais da metade do bioma é ocupado por usos antrópicos, como pastagens e agriculturas anual e perene, sendo que desde 2000 houve um crescimento de mais de 100% na área manejada. A paisagem do bioma é marcada por um mosaico de grandes fazendas onde são desenvolvidas atividades de produção de soja, milho e algodão altamente tecnológicas. Junto nessa paisagem, coexiste um outro perfil de agricultor: os agroextrativistas, famílias que aliam a produção agropecuária de subsistência à coleta e beneficiamento de produtos como frutos, sementes, cascas e resinas de espécies nativas que apresentem valor comercial ou alimentar.


Com pequenas propriedades rurais isoladas no mosaico das grandes fazendas, os agroextrativistas encontram diversos desafios para o crescimento e formalização dos seus trabalhos. Sua atuação descentralizada dificulta a padronização da produção, e o acesso ao mercado e a tecnologias que possam aumentar a produtividade. Assim, a comercialização dos seus produtos depende do mercado informal e da atuação de intermediários, que historicamente acabam ditando os termos e precificação do mercado.


A agroecologia, uma ciência que estuda a aplicação de princípios ecológicos ao desenho e manejo de agroecossistemas, pode, simultaneamente, operar contra a insegurança alimentar e a favor da geração de renda e conservação da biodiversidade do Cerrado. Por exemplo, sistemas de produção consorciada de espécies agrícolas junto de espécies nativas já cultivadas por gerações entre comunidades tradicionais, complementam e otimizam os recursos naturais, de forma que um hectare sob esse sistema pode ser até cinco vezes mais produtivo do que um hectare de monocultura. Por isso, a agroecologia pode ser a melhor opção para preparar essas comunidades para serem mais resilientes na produção de alimentos e geração de renda.

 

Com esse compromisso em mente, o Instituto Louis Dreyfus vem apoiando pequenos produtores e comunidades rurais a se tornarem autossuficientes e proteger o meio ambiente para um futuro mais sustentável. Sob gestão da VBIO, plataforma de bioeconomia que atua para agregar soluções e ajudar organizações a gerar impacto competitivo através da biodiversidade brasileira, e execução do CEDAC, uma organização que atua há 23 anos apoiando estratégias de desenvolvimento rural sustentável de agricultores familiares e comunidades tradicionais do Cerrado, o Instituto fechou uma parceria com o objetivo de contribuir para a segurança alimentar e transição agroecológica de mais de 480 famílias dos estados de Goiás, Minas Gerais e Bahia, por meio do investimento para viabilizar o projeto “Cerrado Sustentável”.


O território de atuação do projeto é povoado por diversas comunidades rurais em situação de alta vulnerabilidade social, onde muitas famílias encontram-se em estado de pobreza extrema. Apesar de ser uma região de aptidão agrícola, ela apresenta restrições para a produção como a altitude e condições climáticas extremas, como a seca de 2021, que dizimou 90% do território, impactando diretamente a qualidade de vida dessas famílias.


Com o objetivo de promover a melhoria nas condições de vida dessas famílias, por meio de um processo de construção de capacidades técnicas para a agroecologia e organização socioprodutiva, a etapa 1 do projeto “Cerrado Sustentável” terminou em 2024, tendo atingido grandes resultados. Os 550 agroextrativistas participantes foram beneficiados com atividades de treinamento para a implementação de práticas agrícolas mais resilientes e certificação agroecológica e orgânica; assessoria técnica para o manejo correto e organização socioprodutiva para comercialização via cooperativa; além do incentivo ao extrativismo e enriquecimento de áreas degradadas com espécies nativas.


As melhores práticas de cultivo e manejo da propriedade resultaram em um aumento de 30% nos parâmetros de qualidade do solo; a diversificação da produção trouxe segurança alimentar e financeira às famílias, garantindo 20% de aumento em produtividade; e a atuação em cooperativa, assim como a obtenção da certificação agroecológica e orgânica garantiram acesso ao mercado e escoamento da produção a preços justos, resultando em um aumento na renda de aproximadamente 40%.


Ainda, todas as famílias beneficiárias hoje fazem parte da Rede de Comercialização Solidária, um processo de organização promovido pelo CEDAC e a cooperativa Coopcerrado, baseado na tomada de decisão participativa entre as famílias, fortalecendo a dinâmica política comunitária de uso sustentável dos recursos naturais do Cerrado.


Ainda há muitos desafios a serem enfrentados, e muitas famílias para serem contempladas, o que esperamos trabalhar na etapa 2 do projeto, com a expansão do território de atuação e implementação de práticas e tecnologias que deverão contribuir para a resiliência climática e fortalecimento dos laços dessas famílias com a Rede da qual, hoje, eles fazem parte.


O projeto “Cerrado Sustentável” vem para aproximar realidades similares e desconectadas dentro de um território tão grande, contribuindo para o entendimento de que, com a organização socioprodutiva das comunidades agroextrativistas, é possível potencializar o acesso à renda através da biodiversidade, mantendo importantes áreas conservadas em suas atividades.

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